sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Homofobia não existe[?]


Na mesma linha do post anterior, voltamos à temática LGBT. As circunstâncias políticas e virtuais nestes momentos apresentam certa tensão, tendo em vista o já declarado projeto de teocratização do Estado [essencialmente laico]. Como é notável, a empreitada coloca em risco a diversidade de uma forma geral.

Cabe discutir uma ideia quem vem sendo veiculada através da rede. Trata-se de uma investida contra aquilo a que denominamos "homofobia". Tivemos acesso à um dos textos indicados pela psicóloga Marisa Lobo, mais uma vez, via twitter e outro indicado de um usuário simpático à referida.

O primeiro texto encontra-se no site do Instituto Plínio Corrêa de Oliveira [intitulado "Confirmado: a “homofobia” não existe!"] e, basicamente, seu raciocínio é: homofobia existe apenas enquanto doença, então na ausência de comportamentos "extremos" e "muito específicos" inexistiria a primeira.

Parte-se, ali, de uma premissa etimológica. O elemento "Fobia", relacionado ao medo e aversão, recebe uma associação psiquiátrica necessária. Assim, toda referência à homofobia deve ser uma referência nosográfica e/ou ostensivamente violenta. Entretanto não é exatamente o que ocorre.

Deve-se ter um conceito mais filosófico da linguagem, para que se possa admitir certa flexibilidade no sentido das palavras, especialmente ligadas ao contexto e uso. Sem isto nada poderemos entender do que constitui homofobia hoje.

No caso dos psicólogos, vejamos: psiquê remete à alma, enquanto therapein diz respeito ao cuidado: psicologia, cuidar da alma. Neste sentido, os psicólogos estudiosos ou experimentais seriam destituídos do título, o que seria um absurdo.

O sentido cotidiano é algo dinâmico e complicado mesmo, como já compreendia Wittgenstein ainda no Tractatus, "a linguagem corrente forma parte do organismo humano e não é menos complicada do que ele". Quando tratamos de linguagem corriqueira, portanto, simplificar os sentidos através de uma análise puramente etimológica acaba por tornar-se uma mutilação.

Neste sentido, é preciso recorrer à aplicação de "homofobia" na atualidade, a fim de que não empreguemos sentidos incompatíveis com aquele que expressa-se. O termo tem sido, sim, usado pelo ativismo LGBT, com o propósito de apontar práticas excludentes, vexatórias, humilhantes e desumanas. A violência pode ser exercida de formas simbólicas, na esfera jurídica, familiar, linguística, entre outras.

Para que alguém exerça homofobia, a princípio, não é necessária desfunção psiquiátrica. O texto do IPCO nos apresenta dois aspectos distintos. Um psiquiátrico e outro ideológico. Ambos mutuamente independentes. Sobre o primeiro, na condição de ignorantes da medicina, não podemos senão calar, entendendo que a origem e classificação das doenças não compete à filosofia. Os esforços nosográficos estão nas mão dos médicos.

Cabe ressaltar que não são os homossexuais que tratam como doentes os que vivem a sexualidade segundo outros parâmetros. O sexo entre pessoas do mesmo gênero libertou-se, oficialmente, apenas à um milésimo de segundo [considerada a extensão temporal em que o assunto manteve-se intocado] das associações perversas, relacionadas à doenças, vícios e degenerações. Foram, durante a história, os ditos "normais" que esforçaram-se por "curar" o que hoje entendemos como manifestação intrínseca e legítima da pessoa.

O movimento LGBT, pelo que vemos, furta-se à recomendar remédios, clínicas psiquiátricas, terapêutica psicológica aos heterossexuais. O que querem é respeito, apenas isto. Não se quer a destruição da família; o que se quer é a sua reafirmação como instituição da convivência, calcada na fraternidade. Desde Freud e Lacan, pai e mãe tornam-se, também, elementos simbólicos.

Que atitude tomar diante das mães solteiras e do divórcio? [Também era costumeiro pensar que os filhos sofreriam danos irreversíveis com a separação dos pais]; Dos avós que criam os netos? Dos que crescem em instituições destinadas à órfãos? [Neste último caso, seria então a adoção uma prática compulsória?] 

Diríamos até, que mais implicado no movimento de desagregação das famílias estariam outros fatores dissociados completamente da causa gay. Poderíamos enumerar vários elementos referentes à esta desagregação, mas sigamos.

Se entendermos que a linguagem depende do uso para ganhar seu significado, poderemos compreender também que o uso da qualificação de "homofóbico" é possível dentro de um contexto difamatório. De fato, é concebível que o termo possa ser usado para denegrir. Mas como o significado depende do uso, as palavras mais doces também são capazes de fazê-lo. Seria uma estratégia semelhante quando existe a referência à cristandade e ao paganismo.

Mas admitir que todo apontamento "homofóbico!" seja puramente difamatório é absolutamente discutível. Certa ocasião, colocamos que a identidade bissexual seria uma forma de escudo frente à avaliação social. Assim como ser cristão também pode ser visto como uma forma de projetar-se frente ao conceito social. Todo cristão quer apenas respeito, olvidando a prática que seu credo ensina? Não. Todo bissexual estaria tentando, na realidade, mascarar sua atração por pessoas do mesmo sexo? Absolutamente. Todo aquele que se põe contra a homofobia adota postura difamatória? O raciocínio é bastante simples.

Havíamos citado um segundo texto, mais formal. Faz referência à uma fonte em língua inglesa, registrando seu sentido original. Timidamente consultamos dois dicionários [Aurélio Básico, 1ª Edição; Dicionário Brasileiro Globo, 31ª Edição], ambos desatualizados, não explicitam o termo "homofobia". Recorremos então a fontes digitais.

O dicionário inFormal, livre, coloca o termo como "perseguição direta ou indireta contra indivíduos homossexuais"; O dicionárioweb acrescenta "ódio aos homossexuais, muitas vezes levando à violência física".

É claro que estes dicionários, pelos seus próprios objetivos de uso geral, não serviriam à uma investigação séria. Entretanto, na falta de uma hipótese melhor, somos obrigados a reconhecer que a palavra foi importada na falta de uma opção nativa. Entretanto, partir deste ponto para afirmar que o sentido é exatamente o mesmo no nosso cotidiano, seria puramente especulativo:
"Unindo a barra com a alavanca, aciono o freio." – Sim, suposto todo o mecanismo restante. Só em relação com este mecanismo é ela a alavanca de freio[...] [Wittgenstein, Investigações Filosóficas]
Que termo usar, enfim, em substituição à "homofobia"? Os que reagem ao uso do termo parecem ser incapazes de responder.

Se o que eles defendem é o uso de terminologia adequada para designar aversão e medo aos homossexuais, por quê, então o vácuo quando o assunto é propor algo melhor? A resposta é simples, não existe interesse em denominar este comportamento. Um dos textos refere-se à uma utilização do conceito como arma semântica, mas na falta de um termo para expressar, o fenômeno passaria a não mais existir no campo simbólico, ou seja, se destrói-se a palavra, destrói-se também o reconhecimento da autenticidade do fenômeno. Temos na invalidação de uma palavra, também, uma arma semântica.

Não são psicólogos nem psiquiatras, os que demonstram, com maior pungência a manifestação da homofobia: é a violência contra LGBTs que, por si só, o fazem. Esta que se manifesta como violência social, psicológica, econômica, jurídica; esta que se manifesta na reação ostensiva contra a conquista de direitos previstos na constituição.

Chega-se à conclusão de que a aplicação do sentido psiquiátrico foi absolutamente infeliz e que serve ao propósito de desqualificar um movimento social que busca reconhecimento dos seus direitos. Esta desqualificação sumária e, junto com ela, a aniquilação da democracia, encontram na atualidade forte referência ao cenário religioso – em específico, setores fundamentalistas cristãos, poderiam estar associados à uma afirmação pessoal. Havíamos reconhecido este fenômeno de maneira intuitiva e a registramos na ideia do sagrado a favor da guerra aqui.

Paremos para pensar o quão abusivo isto possa ser: muitos apresentam disposições interiores à hostilidade e a autoafirmação que se funda na destruição do inimigo. Isto é princípio de identidade puramente baseado na comparação, mas estas pessoas são apenas enquanto o outro deixa de ser. Sintamos que a proposta cristã encontra-se do outro lado deste roteiro.

É bem verdade que nos constituímos dentro do, no olhar do e a partir do outro. Essa relação de interdependência entre as identidades [que pode ser descrito metaforicamente no exemplo da alavanca de Wittgenstein] se perverte na relação de desconstrução daquele outro. Seria tal atitude fruto na insegurança íntima? Questões.

3 comentários:

Rômulo disse...

Excelente colocação, geralmente os texto relacionados à homofobia são muito repetitivos, mas a sua colocação me fez refletir de um outro ponto de vista e nos convida também a pensar de uma forma mais crítica sobre o assunto... Parabéns pelo texto...

@ROM_NeS (Rômulo Neiva)

andréia nóbrega disse...

É isso mesmo Val, concordo quando você diz que:

"Quando tratamos de linguagem corriqueira, portanto, simplificar os sentidos através de uma análise puramente etimológica acaba por tornar-se uma mutilação."

Pena que nem todos saibam que as palavras e os textos tem vários sentidos, tudo vai além do que se vê.

Muito bom o seu texto, bastante esclarecedor. Sou contra qualquer tipo de violência e acho que o estado deveria preocupar-se em fazer algo a respeito disso em vez de teocratizar-se. Não chegamos até aqui para regredir à idade média.

andréia nóbrega disse...

Excelente Val! É isso mesmo, a linguagem realmente vai além do que se vê, como tudo o que existe, não existe um só sentido para as palavras, fatos e coisas... Pena que nem todos saibam disso. Fico triste em saber que o estado em vez de tentar sanar o problema da violência, procura teocratizar-se e regredir à idade média. Não precisamos disso mesmo! Precisamos de pais e mães, ou mães e mães ou pais e pais comprometidos com o futuro e com a humanização dos seus filhos.