quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O texto, meu texto



Metáfora do interpretar: interpretar, entender; interpretar, reproduzir segundo as próprias disposições. Em certo sentido se confundem na definição. Ao interpretarmos, no palco, pode-se dizer que regurgitamos aquilo que assimilamos do outro.

Quer dizer, alguém sempre tem uma profundidade e complexidade próprias, que diluem-se quando torno-me outro dele. A feiúra, a bestialidade; a brandura, a angelitude. Como ele está? Como me parece? Quem é ele? Todas as respostas serão resultado de um ângulo, de uma restrição e de uma estética, de uma impressão conceitual. Nesse fenômeno acentua-se a natureza animalesca ou humanamente sublime, e a possibilidade torna-se essência.

Meu texto também me interpreta, o constituí meu procurador. Nesta relação: quem é escravo e quem é senhor? A resposta, em definitivo, é impossível. Existe uma simbiose: se me calo, ele não existe; se não há meu texto, não há minha pessoa. Fico sem boca, sem mãos, sem gesto, sem expressão. Se o texto quiser existir sem mim, ele será uma peça industrial, objeto. Objeto por que objetivo, que está fora de mim. Um texto sem "eu" é texto morto, sem vida, sem originalidade e expressão; é um ciclo, uma redundância, uma reprodução de outros discursos.

O texto me engoliu, se alimentou de mim para vir a ser. Ele não é por si só, assim como eu também não sou ninguém fora do que é comunicação. Se não interajo, não existo, para mim mesmo e para o interlocutor. Exteriorizar é a chave, para que eu veja a mim mesmo, na mutilação que o outro faz da minha imagem. Essa imagem, mesmo fragmentada é a única possibilidade que eu tenho de me espelhar. Quem confere minha identidade é a platéia; ninguém é dono de títulos, apenas os recebe. Um espelho quebrado é melhor que nenhum.

Dentro dessa fagocitose textual, eu sou assimilado. Isto faz com que o que eu venha a escrever, torne-se uma duplicação forjada na minha própria semiose. O texto não sou eu, é meu dopplegänger. Meu avesso. Meu lado mau até. Fala coisas que eu não autorizei, afirma noções das quais nunca participei. Com suas pernas, ele anda, corre; Com suas asas ele voa. Chega a lugares que jamais imaginei sonhar, esse representante imaginário.

Em suma, o texto me interpreta.

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