segunda-feira, 5 de março de 2012

Materialismo e Ateísmo: uma relação contingente.



Uma impressão veio me surpreendeu estes dias. Tenho percebido que os movimentos religiosos têm se afastado das questões sociais, enquanto os movimentos ateístas e neo-ateístas [ao menos os virtuais, aos quais pude ter acesso] têm atuado significantemente a favor dos direitos humanos. Me pareceu um fenômeno bastante peculiar, já que desconstrói a associação comum de que "os ateus são maus e os teístas são bons". O apresentador Datena, da rede Record teria reproduzido esta associação em seu programa, mostrando que ela ainda é bastante atual e presente no meio social.

Então tentei entender melhor a expressividade e a ideologia ateísta. Motivações, comportamentos, objetivos, visão de mundo. Tudo isto de forma bastante intuitiva, descartando análises com vistas à precisão.

As manifestações parecem girar em torno da dissolução de conceitos, partindo do ceticismo niilista. Por outro lado, procuram estabelecer ligações com a ciência oficial e alguns dos seus representantes, como Richard Dawkins. Vindo a pesquisar um pouco mais sobre este contexto, entendi que a ideia se situa dentro de uma filosofia opositora da religião. Numa vice-versão do apresentador citado: "a religião é nociva e os ateísmo é superior".

Entretanto, o ceticismo desdobrado nessa filosofia, encontra seu embasamento no materialismo e naturalismo. Não existiria nada metafísico, nem nada "além da física" ou do material, palpável. Embora possa parecer redundante, tudo o que existe, existiria em sentido material.

Se o materialismo é desprovido de sentido, filosoficamente, em Aristóteles, por exemplo; e cientificamente a partir de Charles Richet, também é verdade que o conceito naturalista, em novo sentido, é confirmado. No seu Tratado de Metapsíquica, estabelece para o leitor a opinião, compartilhada por nós também, que tudo o que existe, existe dentro de certas leis, sendo, portanto, natural ou normal. Descarta-se, neste pensamento, a consideração de milagres e fenômenos sobrenaturais, pois que tudo ocorre dentro da naturalidade.

Curioso, é que mesmo tentando desenvolver um tipo de pesquisa aparentemente ignorada pela ciência oficial, Richet tenha entendido como inaceitável a influência da religião, em específico, do espiritismo, na compreensão destes fenômenos. Para ele, a pesquisa deveria ser inteiramente técnica, sem apelos para a moral, amor, enfim, valores insignificantes para a edificação da ciência, pelo menos a priori.

Pontos de vista compartilhados entre neo-ateus e Richet, poderíamos enumerar a partir das nossas considerações: a necessidade de excluir a religiosidade das investigações científicas; o natural está em foco. Portanto, não temos motivo para associar com necessidade materialismo e ateísmo.

Mas o materialismo e o naturalismo defendidos pelos neo-ateístas invertem a expressão. Se analisarmos bem, a ideia de que "tudo o que existe é natural" veremos que é bastante diferente de "o natural é tudo o que existe". Isto por que nosso conceito de natureza geralmente está limitado ao horizonte dos fenômenos, aos nossos conhecimentos e investigações. Assim, a natureza não se limita ao que podemos considerar, vai muito além. A cada dia construímos um novo conhecimento sobre ela, trazendo à discussão novos elementos.

Um outro aspecto que parece saltar da questão diz respeito à um conceito específico de ciência, restrito a um paradigma atual, enraizado a partir do empirismo lógico. Por força histórica e ideológica, esta ciência alimentou preconceitos de sua própria superioridade em detrimento qualquer outra forma de conhecimento, inclusive das suas bases do senso comum; entre outras características... Então fica difícil percorrer o caminho que leva o neo-ateísmo à ciência, pois muitos pretendem justificar a ciência do paradigma atual por si só, quando na verdade existe a ciência enquanto expressão cultural; existiram e existem várias ciências.

Finalmente fica a incógnita da associação. Por quê, no nosso contexto, muitas vezes ser ateu significa, ao mesmo tempo, ser cético e materialista?


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