Quando
falamos em imaginação, no cotidiano, geralmente nos referimos à uma quimera, um
sonho, um devaneio. Situamos o imaginário no reino da mentira e da imagem
falsa. A imaginação é subjetiva, está guardada numa caixa obscura e
inacessível. Mas a verdade tem uma história: resquícios platônicos da busca incessante por ela já se
desenrolam entre os gregos e a luz da verdade aparece. Desde então ela tem sido
o compromisso da humanidade. Seus caminhos, a partir da modernidade já
despontam em direção aos raciocínios lógicos aliados ao peso da experiência
sensível: a verdade é coerente e concreta.
O que é a mentira
então? Uma inverdade, algo incompatível com a realidade. A mentira é uma
ferramenta, onde delimitamos o que pode ou não ser dito, pensado, considerado.
Isso por quê ela é um axioma, já que não sabemos o que é a realidade mesmo buscando-a. O caminho torna-se cíclico formalizado em "buscamos o real; o real é o que buscamos". O imaginário está para a busca para a
verdade assim como os sintomas psicológicos estão para as considerações
médicas. Jung lembra-nos da postura quando falam: "Não deve ser nada, deve ser apenas
psicológico!".
Amamos a verdade e
odiamos a mentira. Colocamo-la embaixo de um tapete; distinguimos
frequentemente o que são máscaras e o que é a pessoa de verdade;
desqualificamos idéias chamando-as de delírios. Painéis, compartilhados pelo
facebook comparam tanto religiões como teorias científicas a contos de fadas,
que também merecem desconsideração no domínio sério da ciência dos adultos,
maduros e racionais.
Nesse processo
excludente, o transcendente, a mentira [não real], o sonho... caem em desuso. O
sonho! A que chegamos nessa cadeia associativa! Percebemos a gravidade da
situação quando nos damos conta de que é proibido sonhar. Já temos em nosso
roteiro o que, como e quando devemos sentir e pensar. Surpreendentemente e a despeito de a utopia de Woodstock aparecer retroativamente como "Sexo, Drogas e Rock'n Roll",
seus ideais ressoam na ideologia humanitária pela qual lutamos.
Por falar em Woodstock, vamos falar em drogas. Me senti movido quando percebi os esforços de
legalização da maconha e quis entender melhor o que se passava e poderia
passar. Com efeito, existe uma guerra ou guerras contra as drogas. Podemos
imaginar que a droga, como símbolo do imaginário e do irreal possa ser "a
bola da vez" num combate maior.
Talvez eu não
concorde com o uso de substâncias psicoativas e alucinógenas para fins
"recreativos" mas cabe entender "a fuga da realidade" como
modalidade existencial. É lugar comum entre terapeutas que o uso dessas
substâncias representa um alívio imediato, uma fuga de um problema pela qual a
pessoa passa. Mas como assimilar o uso nas circunstâncias sagradas? Ademais uma pessoa não pode lançar mão, em algum momento, de alguma substância como "medicamento"? A despeito disso, a cultura ocidental encabeçada pelos EUA desconsidera essa forma,
"da fuga da realidade", como inválida.
Essa proibição
seria sustentada pelo horizonte empírico, pela filosofia do terra-a-terra. Em
que sentido? Nas considerações da psicologia científica, o ser é capturado nas
categorias do comportamento, da normalidade, da experimentação sólida. Portanto, tudo o que se busca é tratar os sintomas através de uma fórmula. Por outro lado, temos
uma revolução farmacológica que pode ser descrita como a formalização,
racionalização, separação, sintetização do uso de uma classe de substâncias já
muito antes utilizadas em contextos sociais e espirituais.
Apesar de ser
válida a avaliação terapêutica do uso das drogas como processo de fuga, ele é
apenas uma das várias nuances da experiência humana no campo da transcendência.
O que parece estar em jogo não é apenas uma questão de saúde, mas motivos
políticos, ideológicos e econômicos. Basta perceber que existem complicações
existenciais completamente ignoradas tomando como pressuposto o
medicamento farmacológico enquanto panacéia da contemporaneidade.
Por quê falo de uma
"gestalt do imaginário"? Me refiro a um processo de conceituação como
concepção imagética, trazendo de volta a idéia da captura de uma imagem a
partir de várias abordagens; um processo linguístico ou cognitivo onde a malha
intelectiva se coloca em diversos pontos, diversas posturas, produzindo um sentido diferente. Portanto trata-se de uma metáfora que visa propor uma estética
alternativa quando se fala de imaginário, expressando a possibilidade de vermos
a "mentira" como positiva.
Talvez, o que caiba
mais pertinentemente perguntar é: até onde a demonização da droga é sintomático
na relação da cultura com o imaginário? É ruim imaginar?
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