segunda-feira, 25 de junho de 2012

"Gestalt" do Imaginário



Quando falamos em imaginação, no cotidiano, geralmente nos referimos à uma quimera, um sonho, um devaneio. Situamos o imaginário no reino da mentira e da imagem falsa. A imaginação é subjetiva, está guardada numa caixa obscura e inacessível. Mas a verdade tem uma história: resquícios platônicos da busca incessante por ela já se desenrolam entre os gregos e a luz da verdade aparece. Desde então ela tem sido o compromisso da humanidade. Seus caminhos, a partir da modernidade já despontam em direção aos raciocínios lógicos aliados ao peso da experiência sensível: a verdade é coerente e concreta.

O que é a mentira então? Uma inverdade, algo incompatível com a realidade. A mentira é uma ferramenta, onde delimitamos o que pode ou não ser dito, pensado, considerado. Isso por quê ela é um axioma, já que não sabemos o que é a realidade mesmo buscando-a. O caminho torna-se cíclico formalizado em "buscamos o real; o real é o que buscamos". O imaginário está para a busca para a verdade assim como os sintomas psicológicos estão para as considerações médicas. Jung lembra-nos da postura quando falam: "Não deve ser nada, deve ser apenas psicológico!".

Amamos a verdade e odiamos a mentira. Colocamo-la embaixo de um tapete; distinguimos frequentemente o que são máscaras e o que é a pessoa de verdade; desqualificamos idéias chamando-as de delírios. Painéis, compartilhados pelo facebook comparam tanto religiões como teorias científicas a contos de fadas, que também merecem desconsideração no domínio sério da ciência dos adultos, maduros e racionais.

Nesse processo excludente, o transcendente, a mentira [não real], o sonho... caem em desuso. O sonho! A que chegamos nessa cadeia associativa! Percebemos a gravidade da situação quando nos damos conta de que é proibido sonhar. Já temos em nosso roteiro o que, como e quando devemos sentir e pensar. Surpreendentemente e a despeito de a utopia de Woodstock aparecer retroativamente como "Sexo, Drogas e Rock'n Roll", seus ideais ressoam na ideologia humanitária pela qual lutamos.

Por falar em Woodstock, vamos falar em drogas. Me senti movido quando percebi os esforços de legalização da maconha e quis entender melhor o que se passava e poderia passar. Com efeito, existe uma guerra ou guerras contra as drogas. Podemos imaginar que a droga, como símbolo do imaginário e do irreal possa ser "a bola da vez" num combate maior.

Talvez eu não concorde com o uso de substâncias psicoativas e alucinógenas para fins "recreativos" mas cabe entender "a fuga da realidade" como modalidade existencial. É lugar comum entre terapeutas que o uso dessas substâncias representa um alívio imediato, uma fuga de um problema pela qual a pessoa passa. Mas como assimilar o uso nas circunstâncias sagradas? Ademais uma pessoa não pode lançar mão, em algum momento, de alguma substância como "medicamento"? A despeito disso, a cultura ocidental encabeçada pelos EUA desconsidera essa forma, "da fuga da realidade", como inválida.

Essa proibição seria sustentada pelo horizonte empírico, pela filosofia do terra-a-terra. Em que sentido? Nas considerações da psicologia científica, o ser é capturado nas categorias do comportamento, da normalidade, da experimentação sólida. Portanto, tudo o que se busca é tratar os sintomas através de uma fórmula. Por outro lado, temos uma revolução farmacológica que pode ser descrita como a formalização, racionalização, separação, sintetização do uso de uma classe de substâncias já muito antes utilizadas em contextos sociais e espirituais.

Apesar de ser válida a avaliação terapêutica do uso das drogas como processo de fuga, ele é apenas uma das várias nuances da experiência humana no campo da transcendência. O que parece estar em jogo não é apenas uma questão de saúde, mas motivos políticos, ideológicos e econômicos. Basta perceber que existem complicações existenciais completamente ignoradas tomando como pressuposto o medicamento farmacológico enquanto panacéia da contemporaneidade.

Por quê falo de uma "gestalt do imaginário"? Me refiro a um processo de conceituação como concepção imagética, trazendo de volta a idéia da captura de uma imagem a partir de várias abordagens; um processo linguístico ou cognitivo onde a malha intelectiva se coloca em diversos pontos, diversas posturas, produzindo um sentido diferente. Portanto trata-se de uma metáfora que visa propor uma estética alternativa quando se fala de imaginário, expressando a possibilidade de vermos a "mentira" como positiva.

Talvez, o que caiba mais pertinentemente perguntar é: até onde a demonização da droga é sintomático na relação da cultura com o imaginário? É ruim imaginar?

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