domingo, 23 de maio de 2010

A fé torna-se guerra


A pobreza de visão de aspecto infiltra-se de forma sorrateira, à maneira de uma sombra, em meio às próprias instituições religiosas. Nestas, acontece de perseverarmos num empreendimento positivista, restringindo o sentido das principais questões da vida.

Este fenômeno ocorre concernente à religião, ao perguntamo-nos "qual a melhor religião para seguir?". A metodologia de tal indagação pode mostrar-se tendenciosa: deve haver uma religião que seja melhor que as outras; o divino torna-se um jogo de lugares em pirâmides, um jogo hierárquico. O pior de tudo é que tratam-se de excludências e aqui o que mais vale é minar a crença alheia. A fé torna-se guerra.

Abstraiamos por um momento os cultos religiosos e veremos muito em comum em todas. Neste sentido, destaco a solenidade, a transcendência, o mergulho subjetivo,o desenvolvimento de uma moral. Estes aparecem como aspectos fundamentais e são conseguidos por diversos meios que mostram-se nas diversas formas do ritualismo religioso e nos textos sagrados.

Um psicologismo barato, assimilado pelos grupos mais extremos, nos faz pensar que o processo é inverso ou que se confunde nas partes. Se a ordem sofre espelhamento, os rituais serão primeiros, em importância e em cronologia, relativamente à pura religiosidade. Ou então, se os dois eventos se [con]fundem, o ritual é o mesmo que a crença, fazendo com que a religiosidade se empobreça, reduzindo-se à ações maquinais. Poder-se-ia dizer: "Se você faz isto é por que acredita": há uma conciliação quase infantil entre o que se faz e o que se pensa.

Os fundamentalistas cristãos têm se saído muito bem na tarefa de excluir e desrespeitar. Principalmente depois da polêmica do "Sim sim, não não", nossa forma de ver as pregações cristãs nunca mais foi a mesma e elas transformaram-se em poderosos instrumentos de investida contra olhares divergentes. Assim tem sido, que vimos as idéias espiritualistas serem alvejadas todas de uma vez só naquele livro cujo título já dissemos e cuja venda foi proibida [mais detalhes no site Folha da Bahia].

Lembro-me de uma experiência que vivi. Certa vez fui convidado por familiares a participar de um evento, o Seminário do Divino Espírito Santo, realizado pela Renovação Carismática Católica [RCC]. Aceitei o convite com ótimas expectativas de estudo. Entretanto precisei de força de vontade e paciência para permanecer adequadamente no recinto onde ocorriam as palestras. Às vezes não era possível agüentar e saia eventualmente do lugar a fim de tomar água ou respirar. As idéias ventiladas na ocasião eram absolutamente preconceituosas.

Em dado momento, reuníamos em grupos de discussão que ficavam em círculo e voltei a me animar. Pensei aquela seria um boa atividade no sentido de poder gerar dados significativos sobre as vivências internas e sua assimilação íntima. Apesar do meu otimismo, não pude conter mais uma decepção. No momento deveríamos relatar aquelas vivências e então chegou a minha vez, devendo relatar o motivo pelo qual estava ali. Quando disse que estava ali á pesquisa, ao que me responderam que "começa assim mesmo". Mas já tenho meus valores religiosos e fui obrigado pelas circunstâncias a dar a entender isto. Tempos depois soube que minhas colocações reverberaram nos bastidores do evento.

Se tivesse eu que escolher entre partilhar deste ponto de vista ou ser ateu? Tendo em conta este contexto específico daquela instituição que deveria representar Deus na Terra, sou sincero ao dizer que talvez preferisse ser ateu.

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