sexta-feira, 21 de maio de 2010

Reflexões inconclusivas sobre transcendência e cultura


Estando eu ao lado de um bar, observo a música que as pessoas vêem [isto por que o que se passa no momento é um show gravado em DVD]. Fora os aspectos estéticos [como a má impressão causada pela música e pelos gritos do cantor ao anunciar o pejorativo nome da banda "Ferro na boneca"], refleti por um momento sobre as letras das músicas: elas parecem falar, geralmente de situações corriqueiras, músicas que falam sobre amor/paixão [talvez a diferença não seja nítida nas letras], sobre a bebida [isto preocupa] e outros aspectos que escapam á tentativa de registro por enquanto.

O parecer é o seguinte: há pessoas que conseguem ver na arte apenas seu próprio reflexo. Então, de certa forma, isto lembra o mito de Narciso. Preso à sua própria imagem acabou por perder-se. A questão é: não seríamos seguidores do protótipo Narciso? Não estaríamos nós a fazer da arte mero espelho sem nos darmos ao luxo de entender ou analisar este tipo de representação?

Assim como Narciso, nos afogamos em nós mesmos, relembrando fortemente o clichê "beber para afogar as mágoas". Trazendo para este discurso Ortega y Gasset, pergunta-se: não poderia a arte ser um instrumento de "desumanização", de transcendência do mundo corriqueiro, factual, empírico, limitado, hermético, furtando-se a esgotar em si mesmo? Onde ficam as aspirações que vão além deste ou daquele mundo?

Adotando, contudo, uma ideologia que se contrapõe à este discurso, poderíamos nos perguntar igualmente: até que ponto seria interessante ou necessário não se afogar em si mesmo, na sua própria imagem e representação? Ou seja, não se pode deixar de considerar que esta limitação, sob alguma ótica ou dentro de algum contexto deva ser não só coerente como também necessária.

As letras das músicas e as idéias ventiladas por elas refletem uma cultura, isto é inegável. Portanto não se pode censurá-las por serem mais ou menos estáticas com relação à novas propostas de perspectivas ou de olhares. Ela é a expressão de um povo que ama, vive e se exterioriza. É como se estas músicas servissem para descrever, afirmar o que somos enquanto identidade regional. Ela fala de quem somos em maior ou menor grau.

Mas voltando à perspectiva de Ortega y Gasset, a cultura pode ser vista como uma bóia lançada a quem está à deriva. A cultura é como uma âncora [e isto nos faz pensar até onde é coerente a associação das expressões artísticas e o modelo narcísico]. Mas então, a partir deste ponto, é como se existissem dois tipos de cultura: uma que limita/afirma e uma que transcende/cria?

Que tal partir de uma definição bifurcada do termo cultura? Na apreciação presente, o objeto era uma letra de música, portanto, estamos no campo da linguagem. Aqui Wittgenstein poderia nos dar alguma contribuição. Pode-se falar de uma linguagem normativizadora e de uma linguagem descritiva. A primeira quer, por assim dizer, mostrar como as coisas devem ser; ela se contrapõe à segunda, que intenciona dizer como as coisas estão.

Uma fenomenologia aparece nesta segunda intenção, no sentido de que a primazia deve ser o entendimento investigativo, a partir da própria situação, o quanto se puder. Repetindo a linguagem wittgensteiniana, dizer como as coisas estão, não como devem ser. A justificativa para a adoção da postura descritiva é que ela parte de uma tentativa de superação do jogo de linguagem, ou talvez do mundo linguístico onde estejamos mergulhados. Uma transcendência.

Até o momento, o texto apresenta perguntas em demasia. Mas ainda outra: caberia ao filósofo perguntar ou responder? Ou ainda outra função que não poderíamos descrever nem como perguntar nem responder? E não é só aqui que a máxima filosófica do "só sei que nada sei". Pode ser contraditório, mas a sensação da descoberta da ignorância pode ser maravilhosa... Talvez assim o seja quando se pensa este fenômeno de outra forma.

Isto é, quando entendemos a constatação de que se tem grandes capacidades. No sentido de que existe a possibilidade de perguntarmo-nos acerca de todas as coisas que nos cercam mesmo vivendo num mundo onde tudo é tão óbvio.

A prova disto é um texto tão cheio de perguntas, mas que na verdade surgiu de um barzinho comum, seus shows em DVD, aqueles que assistem, da mensagem transmitida... E ainda um outro elemento, alguém inquieto que se perguntava acerca daquilo que presenciava.

Um comentário:

jann carlos disse...

estav eu la, ao lado desse ser questionador, sem perceber a sua aflição ao ter q aguentar aquilo tudo ...hauahuahuahha....e visa dionisio