segunda-feira, 4 de maio de 2009

Sócrates e a dúvida pirrônica


Lembro dos tempos em que atuei como professor substituto de filosofia. Estudava os manuais, ainda no período de aulas introdutórias, à procura dos fundamentos da filosofia e de suas características principais. Assim, deparava-me sempre com afirmações de racionalidade e lucidez. Repassei estes fundamentos de filosofia aliados à maiêutica socrática, mas hoje entendo que deveria ter dirigido as aulas em direção à sapiência.

Sócrates ainda nos deu grande contribuição neste sentido quando fez da verdade um produto da alma, estando ela presente em todos. As pessoas, até mesmo as comuns, poderiam ser tomadas por filósofas, pelo menos em algum sentido; isto é, o exercício filosófico não é nem deve ser restrito à uma classe ou à um grupo social. Na filosofia não há sectarismos e a capacidade analítica individual está, mesmo que potencialmente, presente nas pessoas.

Ele, o estagirita, na condição de fundador oficial da investigação filosófica, fazia questão de afirmar que nada sabia. Esta posição é curiosa por parecer contraditória: como é possível que um homem tido como sábio possa asseverar com tanta tranquilidade que nada sabe? Esta é uma questão que até mesmo os próprios filósofos devem inclinar-se a estudar a fim de esclarecer a própria metodologia do pensamento.

Do nosso ângulo, a questão vem acompanhada de uma resposta serena. Seguir a máxima socrática é opor-se a si mesmo, ao gênio intempestivo que se agita dentro de nós. Isto é necessário pois o conhecimento cria carnes com as nossas, tornando-nos seus hospedeiros. Amamos nossos conhecimentos e à eles nos afeiçoamos com toda a força do coração, reagindo hostilmente à qualquer um que tente impor-se-lhe. Melhor: há mais defesa de si mesmo do que do parasita; é nosso orgulho que, ferido, grita.

Mas que poderia constituir para nós motivo de orgulho? Vivendo em um planetinha do tamanho de nada quando comparamos com a quase inconcebível vastidão universal , e havendo nós surgido no último dia do calendário cósmico, insistimos numa megalomania secular. Como monarcas/déspotas/tirânicos, possuímos todo o poder mas nenhum juízo: os corpos humanos, a genética, a vida, a harmonia; tudo se desfaz. O homo sapiens não está fazendo jus a seu título.

Nosso conhecimento, ainda limitadíssimo, é circunscrito aos nossos terrestres e grosseiros auspícios. Portanto é com razão que Pirro de Épiro, inspirando Michel de Montaigne séculos depois, atestou a dúvida ao conhecimento. O conhecimento não se faz só de provas e de certezas. Tal corrente ficou conhecida como "ceticismo pirrônico". Mas com base na nossa concepção, ceticismo é algo bem incompatível com o pirronismo (o mesmo valeria para o pensamento de Descartes). O critério usado em tal posição, aqui assumida, foi exposta à poucas linhas, a saber, o aspecto simbiótico emocional do saber.

Notamos comumente a presença de pessimistas gnosiológicos, antagonistas carrancudos de tudo o que seja pensamento [principalmente quando não "comprovado cientificamente"]. São eles os céticos. Sua pressa, e muitas vezes truculência, com que abordam não limitados temas é um reflexo da sua ignorância e presunção. Estes querem até mesmo falar e contestar aquilo sobre o qual não estão, pelo menos oficialmente, autorizados. Escapa-lhes que as lacunas no conhecimento são mesmo parte da biografia da humanidade, seja em macro ou micro aspecto.

Então a filosofia torna-se logo um treino íntimo que visa resistir às revoluções internas instintivas quando elas possam atrapalhar o desenvolvimento das nossas permutas no campo do conhecimento. Mais que palavras, sentimos na pele essas revoluções quando discutimos febrilmente com alguém. A capacidade de ponderar sabiamente só é possível quando se está aberto [e isto é um ato emocional] às novas perspectivas.

Hoje entendo, que no campo do ensino de filosofia, deve-se dar primazia à estes aspectos para que os filósofos do futuro não se tornem arrogantes e deseducados em seu íntimo... e mesmo se quiséssemos, não poderíamos concebê-lo: os filósofos aristocratas já são raríssimos e não podemos nos dar ao luxo de sermos ostentadores ociosos; a força das circunstâncias nos induzem, enquanto filósofos, naturalmente à humildade de espírito.

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