terça-feira, 5 de maio de 2009

És o que consomes


Estamos em pleno século XXI e não se pode mais separar tacitamente alimentação e responsabilidade. A forma como o nosso comer vem sendo produzido passou por transformações radicais mas não vemos equivalentes nos dispositivos distribuidores de informação. Entretanto, estes mesmos dispositivos sofreram democratizações, vários tipos de informação tornaram-se mais acessíveis. Seria uma comediosa contradição se não fosse tão frustrante perceber que os meios comunicativos têm-se furtado de instruir o público quanto aos aspectos alimentares.

Os métodos modernos de produção de alimentos são cobertos em suas verdades de filme de terror. Marqueteiros cometeram a façanha de vestir Freddy Krueger de Palhaço e fizeram hambúrgueres brotarem de árvores. Se as crianças tomassem conhecimento de pelo menos um quarto da crueldade presente na fabricação de guloseimas carnescas, achariam o palhaço, no mínimo, macabro. Os processos produtivos em andamento e suas funestas consequências são, para o cidadão comum, elemento de um mundo à parte coberto pelos muros da ignorância e do hedonismo.

[Abaixo, um vídeo que mostra Ronald McDonald, o mascote/garoto propaganda da McDonald's, em um comercial de TV que anuncia brindes para as crianças cujo o tema é o filme Bambi da Disney. Bambi seria um privilegiado quando comparamos com o gado de abate.]





Neste sentido, a globalização foi e é fundamental por permitir novos conceitos empresariais. Dentre eles, o das multinacionais: empresas sediadas em um único país mas que possui filiais espalhadas pelo mundo inteiro. Mas o que se espraia no mundo, junto com as respectivas empresas, são suas estratégias produtivas. Elas são igualmente globais e isto significa que o par de tênis que se compraria no interior do Rio Grande do Norte, por exemplo, pode ter vindo, em parte, da Ásia. Acontece, muitas vezes, que as peças de uma produto sejam produzidas em países diferentes e a montagem ainda, pode acontecer em outro lugar distinto.

Este dado evidencia o quanto somos vulneráveis à obscuridade com relação à isto, já que a produção é geograficamente distante. Todavia, não se pode esquecer que encontram-se ao dispor de nossas investigações conhecimentos preciosos até mesmo em humildes manuais escolares. Logo na escola somos informados da política de produção global: as grandes corporações instalam suas indústrias em países em desenvolvimento, aproveitando-se da mão de obra abundante e barata.

Todo este aspecto geopolítico é apenas um parêntese na nossa discussão e nos serve de ilustração. O ato de consumir extrapola a localidade e então o chamado efeito borboleta adquire um sentido econômico. O consumo local afeta o globo. Uma vez de posse destes conhecimentos deveremos acrescentar parâmetros aos institutos de defesa do consumismo. O paradigma atual nos oferece um modelo de consumidor que é, em forma de imagem caricaturalmente alegórica, fina madame à reclamar o melhor para si, sem, no entanto, responsabilizar-se por suas escolhas. Nós, os consumidores do globo, encarnamos esta madame e exigimos as melhores marcas dos piores alimentos. Queremos os venenos mais caros que, além de nos matarem, pouco a pouco, ainda envolvem desgastes alheios, sejam de animais, de outras pessoas mesmo, ou pior, do planeta na suas feições ecológicas.

Se antes dos globalismos comerciais não poderíamos comodamente afirmar que nossa má conduta [e seus resultados igualmente ruins] não afeta ninguém senão nós mesmos, hoje esta afirmação expressa abominável solipsismo. A formação da aldeia global cria, cada vez mais, uma interdependência entre seus habitantes e, ainda, entre suas tribos. Exemplo: o hábito de fumar traz consequências ruins tanto para quem traga como para quem se encontra na condição de fumante passivo; mesmo se o sujeito exerce suas baforadas em solitude, sua saúde [potencialmente] abalada será alvo de dispêndios emocionais [os familiares e amigos sempre sofrem com o sofrimento de um ente querido] e dispêndios financeiros para os males do corpo.

Na produção e consumo alimentícios não acontece muito diferente. Sabe-se que várias doenças são causadas por distúrbios na nutrição. Além disto, os animais são criados, depois "preenchidos" [o que é menos que "alimentados"], e, finalmente, após uma mísera existência de clausuras e torturas, são enfim abatidos. A incoerente importância que as sociedades atribuem ao consumo carnívoro é causa e efeito à um só turno. Decorre ela da filosofia hedônica, aquela que dá primazia aos prazeres imediatos em detrimento de outros aspectos.

Mutilando nossa comida e empobrecendo-a, por outro lado desperdiçamos, sendo-nos forçoso que produzamos ainda mais com o propósito de preencher as lacunas nos índices. Enquanto a comida é desperdiçada na forma de restos de feiras livres; enquanto consumimos, com toda a pompa, toda sorte de supérfluos, irmãos em humanidade penam sob desnutrição e fome aterrorizantes, dignos de protestos significativos mas impotentes por enquanto.

Consumamos sem abrir mão de nossa humanidade: humanidade íntegra, alimentação íntegra, saúde íntegra, planeta íntegro. Somos o que consumimos.

P.S.: Este texto foi inspirado na leitura de Alimentação para um Novo Mundo: a consciência de se alimentar como garantia para a saúde e o futuro da vida na Terra do Dr. Marcio Bontempo.

Um comentário:

Jacimara disse...

realmente é cruel e massacrante a nutrição globalizada e mais chocante é perceber que a grande maioria sequer liga para o quê acontece, há diamantes de sangue, hoje também podemos falar em morte da consiência.