segunda-feira, 27 de abril de 2009

Considerações breves sobre a loucura em Michel de Montaigne



Avidamente temos tentado definir um critério que permita sugerir um limite entre a razão e a loucura.
Busquemos luz para uma possivel metodologia em Michel de Montaigne [Ensaios, Capítulo XII]:

Quem ignora quanto é imperceptível a linha de demarcação entre a loucura e as inspirações mais ousadas de um espírito completamente livre, ou as resoluções que pode tomar, em dadas circunstâncias, uma virtude excepcional?

De fato, dentre tantas definições de loucura, podemos apontar uma referente à falta de limites. A "lógica maluca" do desvairado, já é, em sua aplicação gramática, desordenada por natureza: Montaigne nunca deixa de lembrar aos seus leitores qual o papel do homem perante a lei, seja ela de qual natureza for. Mas nos encontramos frente à um quadro complicado, suas cores são histéricas e orgulhosas; seus contornos são fortes, mas vagos. Tal metáfora é uma pintura do humano.

A lei é, frequentemente, para nós, antes problema que solução e nos debatemos dentro dela assim como o peixe se debate ao mergulhar no nosso mundo atmosférico. Estado de coisas assim faz parecer os humanos seres anárquicos por natureza, desde o berço. Esta agonia se projeta em práticas sociais mais ou menos teóricas, desde os comunistas ou punks. Verdadeira andarilhidade somos forçados a imitar hoje, quando o nada é a instituição querida da humanidade e a ela devemos nossa salvação enquanto espécie biológica.

A generosidade do nosso ego é tão grande, mas, por outro lado, tão voltado a si próprio que por isso mesmo julgamo-nos livres: faremos bem em admiti-lo? Relembrando o pensador francês, a liberdade é condição dos loucos, desvinculados por completo das regras sociais [e então um visionário poderia passar facilmente por louco]. Entretanto, os homens de ciência muitas vezes pretendem uma desvinculação análoga e se julgam donos de si mesmo e de toda a verdade, acima de qualquer autoridade. Seu pensamento é límpido e suas proposições infalíveis. [A vergonha que essa posição engendra nos últimos momentos da vida de um homem é comovedora. Temos tido notícias, desde a antiguidade, de figuras sisudamente teimosas : totalmente impenetráveis. Mas o destino cuidou muito bem delas e as fez recuar diante de tão custosas posturas. Uma curvatura não por consciência mas por força da intempérie vital.]

Desta forma, a loucura e a prepotência encontram-se lado a lado e a filosofia vazia dos sábios de ciência torna-se doidice aos olhos de Deus, conforme insistem os crentes. Sábio verdadeiramente foi Sócrates, afirmando que na verdade nada sabia, compreendendo que a porção de seu saber era insignificante frente à porção da sua ignorância.

Queremos e pretendemos tudo saber quando ignoramos até mesmo nossa natureza íntima e não me refiro aqui às noções distribuídas pela física e pela biologia. Do outro lado dos empirismos. encontramos a metafísica, aquela capaz de acenar uma esperança ao menos. Pois nada nos dizem, neste sentido, as constituições moleculares e celulares. Nossa ética sumiu e estamos procurando por outra melhor, que seja bem natural, produzida em laboratório. Ela transformou-se em bons modos à mesa. O mundo está às claras, mas quem o contempla?

Enquanto na ética a loucura está no sujeito, no materialismo encerra-se sob as disfunções nas disposições orgânicas e nos dispositivos químicos. Ele destituiu o ser humano de sua condição própria de sujeito e transforma-o em aglomerado fisiológico, submetido à lei do instinto disfarçado de psicologia comportamentalista. A lei do comportamento, pelo visto, é a lei mater.

Portanto a razão já aparece como uma forma louca de manifestação do humano. A sabedoria, em seu sentido máximo, e a superação dos racionalismos, é o conhecimento holístico interior, que parte de dentro para o mundo; não se confunde com o pensamento vulgar seja ele refinado ou não. A habilidade de pensar, por si mesma, e de forma estritamente racional, não pôde salvar o homem de seu trágico destino: o da dor, da angústia e da morte.

Aliás, hoje, muito se fala na superação da morte nas perspectivas científicas por técnicas inovadoras. Enquanto o código genético humano é decifrado, vamos esperando, qual mendigos famintos em busca do pão, a vida eterna [tão reportada em textos sagrados, agora podemos comprá-la comodamente em algumas prestações de...]. Ela seria a resposta para todos os medos da humanidade e a chave da felicidade, linda felicidade! Fugindo de seu maior medo, o homem é rebaixado de mengido à vira latas medroso.

Entretanto, poderá mesmo o fim da morte livramo-nos de nós mesmos, dessa outra parte podre que insiste em feder? A despeito do uso abusivo de drogas especializadas na química cerebral, o sujeito findará por permanecer. E enquanto houver sujeito haverá lacuna. Tornaremo-nos imortais, ascendendo aos olimpos divinos... que então iremos fazer? Nossas angústias, logo depois que o comprimido de prozac calar, nos levará à conclusão de que seríamos... não mais felizes, mas pelo menos, quem sabe, menos infelizes.

O louco será mais louco que o inflado douto?

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